Na Bela Vista, no autocarro
Acabei de (re)ler o livro de Richard Zimler, "O Último Cabalista de Lisboa" e a leitura transformou-se na visão de um filme. Vejo o protagonista a sair da cidade pela porta oriental e a dirigir-se à Quinta das Amendoeiras, passando pelo Largo do Broma, seguindo o trajeto do rio, no momento em que no autocarro se anuncia: próxima paragem Largo do Broma! Repete para o caso dos mais distraídos estarem distraídos e os adormecidos estarem adormecidos!
Eu não, estou bem acordada, embora com os séculos um pouco baralhados e vejo-o entrar: um homem alto, cabelos bem compridos, com três camadas de camisolas vestidas, umas calças grandes, compridas a tapar os pés calçados com com chinelas de enfiar o dedo, sem meias. Nas costas uma mochila bem volumosa.
Entra e olha demoradamente as pessoas que estão sentadas nos bancos, de frente umas às outras. Eu sou uma delas.
Instintivamente, baixo os olhos. O autocarro segue e anuncia: próxima paragem Bairro do Armador, próxima paragem Bairro do Armador. Penso: outra referência presente no livro de Zimler. Entra um menino com passo decidido; "espera aí, olha que cais"- sentencia a mãe, mas sem eco no menino que se dirige ao banco, livre, em frente do homem do cabelo comprido. Ambos estendem os braços e os bracinhos, um para o outro num abraço celestial e cabalístico, que me emudece, eu que estava calada. E assim seguem até à próxima paragem Bela Vista, próxima paragem Bela Vista. Afinal, Zimler enganou-se, há mais um cabalista em Lisboa.
Sem comentários:
Enviar um comentário